Entrei ali escoltado por um grande psicanalista lacaniano da época no Rio de Janeiro. Era uma noite fria de outono e, na pequena sala de espera do Centro de Reabilitação no bairro do Jardim Botânico, a luz amarelada fazia os rostos dos presentes parecerem mais suaves, como se despidos de suas angústias. Ao fundo, o eco da poltrona de madeira rangendo sob o peso de histórias não contadas. Aquela reunião do AA (Alcoólicos Anônimos) não era só mais uma entre tantas; era um momento de transformação para muitos, uma prova de que o caminho da recuperação é feito de persistência e disciplina.

      Lembro-me que na palestra de só 10 minutos Mascarenhas falou dos passos — doze ao todoO primeiro passo era o reconhecimento. A voz embargada de Cquebrava o silêncio. “Eu sou um alcoólatra”. Cada sílaba era um mergulho em sua própria vulnerabilidade, uma confissão que tirava o peso dos ombros e entregava à plateia etérea um pouco de sua luta. Reconhecer-se é já um passo à frente, pois aceitar que não se pode controlar o abuso é o início da verdadeira liberdade.

 

     Com o desenrolar da reunião, os passos seguintes se acenavam como um mapa de estrada. O segundo passo falava de esperança. A mulher, com suas mãos trêmulas, adicionou: “Acredito que uma força maior pode me ajudar”. E ali, entre o confessional e o acolhedor, existia uma faísca de esperança. Um reflexo de que, mesmo na escuridão, lá estava a luz, bastando apenas um pouco de fé para encontrá-la.

      Os passos continuaram a ser desnudados um a um, como camadas de uma cebola que, ao serem retiradas, revelavam o núcleo delicado que todos carregavam. O terceiro passo, entregar-se a esse poder maior. Quão difícil isso poderia ser! O controle, muitas vezes, nos traz uma falsa sensação de segurança. Mas ao deixar que essa força nos guie, abrimos mão do peso que carregamos — um ato de coragem que ressoava nas palavras de cada compartilhamento.

      O quarto passo, porém, era um convite ao autoexame. “Inventariar-se é doloroso”, murmura Jr, já em lágrimas. “Ver os próprios erros não é fácil”. No entanto, a sala respirava um ar de solidariedade, pois todos ali sabiam que cada um estava quebrando sua própria casca, e isso, de certa forma, os tornava mais fortes juntos.

 

      Assim prosseguiram, passo a passo, até o décimo segundo. A promessa de um novo modo de vida, a doação, a partilha das experiências como uma luz em meio às trevas de outro. “Se eu consegui, você também pode!” — o refrão agora se tornara um mantra. O que havia começado como um desejo de transformação se tornara uma corrente de esperança.

     A cada passo, a sala se tornava mais calorosa, e os rostos antes sombrios agora eventualmente brilhavam. O magro calor da conexão humana e a força do apoio mútuo se tornavam mais evidentes. Era um lembrete de que, mesmo em um mundo muitas vezes marcado pela solidão e pelo desespero, havia beleza e compaixão no reconhecimento mútuo da batalha.

     Quando a reunião se aproximou do fim, o espírito decomunidade se fez presente. Os doze passos não eram apenas um guia para a recuperação, mas um mapa de vida que refletia a jornada de todos aqueles que buscavam não apenas a sobriedade, mas uma nova forma de existir. Em cada história, havia a verdade de que mesmo em dias nublados, a luz sempre pode ser encontrada.

     E naquela sala iluminada, ficou claro: cada passo, por menor que fosse, era um motivo para celebrar. A jornada era longa, mas a companhia era inestimável. O último brinde — não ao álcool, mas ao renascimento — ecoou pelo ar, como a bela sinfonia de vidas que, juntas, estavam decididas a seguir em frente.

0 Comentários