"Acho que finalmente me dei conta que o que você faz com a sua vida é somente metade da equação. A outra metade, a metade mais importante na verdade, é com quem está quando está fazendo isso." (Lilico).



Com esse mau tempo do Corona Vírus 19 arrasando 2020, no isolamento pandêmico há 90 dias, fugindo da falência como o diabo da cruz, torcendo por vacinas e remédios de cura, bem assim fazendo carinho na morte, veio à cabeça um personagem que marcou várias épocas. 


Era interpretado pelo humorista Olívio Henrique da Silva Fortes, o Lilico, um tipo engraçado que nasceu no Rio de Janeiro.


Olivio Henrique foi tudo, mas a sua genialidade foi criar e popularizar o jargão “alô, alô, Realengo”, repetido por canções de Gilberto Gil, Jorge Benjor, Tim Maia. Ele era quase tudo e fazia muito bem qualquer coisa como ator, compositor e cantor.


Lilico fez sucesso na televisão interpretando um bêbado em programas humorísticos como "A Praça é Nossa", no SBT. Quando criança foi vendedor de balas em programas da Rádio Nacional (onde o conheci menino vendendo drops Dulcora misto para Grande Othelo).


Começou a carreira artística como calouro no programa "Trem da Alegria", apresentado por Lamartine Babo, Herber de Bôscoli e Yara Salles. Apresentou-se cantando um samba imitando Jorge Veiga. Agradou tanto que acabou contratado como humorista. Em seguida foi convidado por Geisa Bôscoli para estrelar uma comédia teatral. O prêmio: um refrigerante e uma cocada.


Pronto, dedurei geral.


Lilico foi mais que um ídolo para mim. Tanto que apelidei minha sobrinha mais velha, hoje professora e atriz, Carolina Talassi Piai, de Lilica.


Humorista exclusivo do SBT, ele me encantava toda vez que aparecia em cena, até nos últimos dias antes de falecer ali com Carlos Alberto da Nobrega.


Calava forte e muito forte na minha alma tudo que ele fazia.


Ruim de respiração por bronquite na escola o máximo que eu consegui em Capivari foi bater bumbo num ritmo monótono, só nos ensaios para apresentação em dias cívicos.


Resumindo, para a gurizada Lilico era o tocador de bumbo das tvs brasileiras, falando coisas alegres com cara e tom triste.


Era um palhaço. Todo mundo se matava de rir da tristeza dele. Com cara de debochado, alegre mas tétrico, ele batia aquele bumbo toda vez que seu personagem se sentava no banco da praça, claro, fosse naquele tempo para entrevistar-se com o velho e bom inesquecível Manoel da Nobrega, pai carnal e inspiração do Carlos Alberto e seus herdeiros e causa primeira da fortuna de Silvio Santos. Ou em tempos mais próximo com o Carlos Alberto e seus filhos.


“Alô, Realengo! Sorte que eu tenho eu, senão como ficava essa bagunça?”


Com aquele bumbo, em tom repetitivo, monótono e bem agudo, lá vinha ele e nessa hora, eu estava na frente da tv invariavelmente, tanto no orfanato, quanto nos seminários; em ambos todo mundo, adorava estar ali naquele momento.  Vi gente aplaudir quando ele dava a primeira nota com a primeira silaba:


Bum – tem......

Bum – tempo bom.

Bum – não volta mais...

Ai sem bum – caprichava no agudo bem afinado mas que deveria ser grave:

“Saudade tanto tempo que faz”.


Ai ele gritava uma frase de efeito tirando o cigarro de palha da boca bem à base do carioca de Realengo nascido em Cabo Frio, interior do Estado:

“Bonito isso, né? Fica reparando em mim só pra descer o pau. Macaco não olha o rabo e se olha não enxerga. É fácil falar de mim, malandragem, o difícil é ser eu...”

“Oh pouca vergonha! Fale menos e faça mais. Se até eu faço você também pode fazer.”

Mas, fazer o que? Até hoje não sei e já me cansei de perguntar. Doido é o psicanalista que tenta entender ou explicar o que um palhaço diz.


Era coisa pra rir ou pra chorar. Pensar o que ele disse, claro até dava, mas custava saber que atrás da pessoa dele existiam mil outras pessoas buscando mundos diferentes.


Resolvi do nada fazer essa homenagem para o Lilico, que, verdade seja dita, não ia com a minha cara de jeito nenhum. Mas todo gênio estranha outro gênio, claro (brincadeirinha!). As vezes que cumprimentei ele na porta das rádios em que estávamos trombando, estações de tvs; nunca deu certo, ele se negava a responder e a me saldar. Defeito ele não tem, racista, sério, nem pensar que ele fosse. Bipolar, ah bipolar só Deus sabe.


Talvez seja porque em todas as vezes que o encontrei disse claramente para ele que "tempo bom é a gente que faz, que o tempo bom ou nunca vai embora ou sempre volta."


Pensou talvez que eu fosse mais um invejoso tentando descontruir o seu bordão mais famoso. Mas estava mesmo era tentando apresentar um mundo mais leve para Lilico. Esse que todo mundo em tempos do COVID 19 está precisado. Tempo bom volta sim. Use alcool, gel e máscara, faça isolamento social, foque na vida e não na matério com o coração cheio de confiança. 


Talvez Lilico tivesse morrido achando que eu sou um chato que nem  brincar sabe. De pessimismo não sei. Certo é que ele não ia com a minha cara e nem chance de mostrar a pessoa maravilhosa que eu sou, tive com ele. Mas no calor de Realengo todo mundo é feliz assim mesmo.

  

 

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